sexta-feira, 27 de junho de 2008

SIDA

_Senta, fica calmo! Desse jeito a gente não vai conseguir conversar!
_Conversar pra quê? – disse Paulo, com os olhos vermelhos de ira, proferindo as palavras como se fossem pedras a Rafael. – Você teve dez anos pra conversar comigo! Dez anos pra me mostrar quem você realmente é. E olha o que você fez...
_Paulo, nosso relacionamento nunca deu certo exatamente por isso. Você sempre se fecha dentro de uma concha fica jogando a culpa de tudo pra cima de mim! Eu fiquei dez anos tentando te mostrar que nosso relacionamento estava arruinado. Que você se acomodou em viver uma vida de aparências. Por que você acha que nenhum dos nossos amigos acreditou quando anunciamos nossa separação? Por que pra eles nós somos um casal perfeito! Pra eles nossa funciona! Nosso amor é verdadeiro! Agora eu te pergunto, nosso amor em algum momento foi verdadeiro?
O rosto de Paulo estava visivelmente rubro. A ira dominara sua fisionomia, despertando o medo em Rafael, que pressentia que a qualquer momento aquele homem de um metro e oitenta e poucos de altura pularia em seu pescoço não deixando chances de defesa. Seu coração pulava em seu peito. Seu corpo não tinha nenhum ponto de firmeza. Ele só tremia... A impressão que ele tinha era de que aquilo não estava acontecendo, de que era apenas um pesadelo e que logo ele acordaria.
Paulo estava sentado na cama, cotovelos apoiados no joelho, mãos no rosto, respiração ofegante. Rafael estava impressionado. Realmente não sabia o que fazer para dominar a ira do companheiro, que num só impulso projetou-se de pé olhou firmemente para os olhos de Rafael. Num outro impulso, também inesperado, Paulo agarrou a gola da camisa de Rafael e o encostou na parede. Ele era muito maior que Rafael, que estava na ponta dos pés, sem saber se respirava ou se entregava ás lágrimas de desespero que o invadia. Paulo tinha nas mãos um envelope e com uma das mãos segurando Rafael na parede e a outra batendo o envelope no rosto de Rafael dizia, ferozmente:
_Você sabe o que é isso aqui? Isso é a prova de que eu não tenho por que acreditar em você! Isso é a certeza de que você jogou na lata do lixo dez anos de relação com um trouxa que te amou de corpo e alma, de fora pra dentro, do lado certo e do avesso!
As lágrimas lavavam o rosto de Rafael. Que sem saber o que fazer, apenas segurava o pulso de Paulo, para que ele não o enforcasse inconscientemente.
_Isso aqui Rafael, é a nossa sentença de morte! Você me fez o favor de me contar do que é que eu vou morrer! É a prova de que na próxima encarnação eu não devo acreditar no que todo mundo diz. Isso aqui... Isso aqui... – Paulo começa a enfraquecer. Seus olhos marejam e ele larga Rafael com força de forma que ele cai no chão indefeso. Soluçando incansavelmente. Paulo sentado na cama começa a chorar, incansavelmente. Rafael ajoelha-se aos pés de Paulo chorando também.
_Meu amor... Me perdoa! Não é você mesmo que diz que as pessoas sempre merecem uma segunda chance?
_Pra isso não tem segunda chance. Você tá sujo! Contaminado, e não teve a mínima vergonha na cara e me contaminou também. Agora eu também sou um sujo, um lixo, um bosta...
_Claro que não é! Você tá pensando errado! Isso não é o fim do mundo. Existem casais que vivem uma vida juntos e com esse problema e são felizes... O que nós precisamos fazer é nos cuidarmos. Cuidar da alimentação um do outro, dos exercícios. Mas para isso nós precisamos estar juntos! Você cuidando de mim e eu cuidando de você!
Paulo olhava desolado para Rafael. Aquele envelope ofendeu seus olhos, sua moral, seus valores, seu caráter, mas não ofendeu o coração.
_Por que você foi me trair? – Pergunta Paulo, entrega a fraqueza de seu corpo, sem saber mais o que falar.
_Aconteceu. Não tenho nem como ou por quê justificar. O que eu quero é estar do seu lado. Você não precisa me perdoar, mas não deixa ficar sem você!
Paulo observava Rafael soturnamente. Enquanto Rafael falava, se redimia, Paulo levantou-se e correu até a cozinha. Rafael, ainda sem ação não tinha como correr atrás, quando conseguiu se levantar Paulo já vinha pelo corredor da sala numa velocidade alucinante e com uma faca de cozinha atingiu a barriga de Rafael com um golpe só. Ele não teve tempo de gritar. Seu susto foi tremendo que seu coração passou a bater mais forte ainda, bombando ainda mais sangue, que saia por entre os gumes da faca. Rafael ajoelhou-se dramaticamente e foi quando dava os seus últimos suspiros, que Paulo atentou para a besteira que tinha feito. Seu corpo ficou gelado, quando Rafael caiu no chão do corredor, morto e Paulo com a faca ensangüentada nas mãos. Não pensou duas vezes. Cravou a faca em seu coração, sentindo o aço passar por entre suas costelas e atingindo fatalmente seu coração. O universo ao seu redor foi escurecendo paulatinamente, até que seu corpo caiu por cima do de Rafael e sua alma chorava as lágrimas... lágrimas de SIDA.

Nenhum comentário: